Reiniciamos o Ano A do evangelista São Mateus. Desde a reforma litúrgica conciliar, lemos em três anos os evangelhos. A vantagem é a leitura continuada. Antes, nas celebrações eucarísticas não se tinha a noção do conjunto pela continuidade. Além disso, as gerações pós-conciliares hão de ter condições de melhor conhecer as semelhanças, as diferenças dos evangelhos e o típico de cada um.
Ao longo prazo, os católicos praticantes terão mais acesso – como já se vê – ao manancial da Palavra, pela leitura seguida do conjunto das Escrituras, e sua aplicação pela homilia. Quando os católicos são motivados a seguirem o evangelista do ano, na catequese, nos círculos bíblicos, nos estudos e reflexões e meditações, sobretudo, através da leitura orante, aproveitam da Palavra para a vivência pessoal e a missão no mundo.
O Evangelho de Mateus centra sua narrativa em dois focos complementares: Jesus Salvador e o Reino dos Céus. Jesus é o Cristo, o Mestre que ensina. Reúne discípulos. Prepara-os e os envia em missão. É o Filho de Deus, Filho de Davi, Filho do Homem. É o Servo Sofredor. Tais títulos, originados na tradição judaica, são fundamentais para a compreensão da fé, da salvação e do seguimento do Mestre. O Reino dos Céus é a soberania de Deus, proclamado por Jesus, através dos discursos, especialmente o Sermão da Montanha. É confirmado pela atuação de sua autoridade e poder, através de curas e de exorcismos e da escolha e do envio dos discípulos. Sua presença já é a proximidade do Reino (10,7). Entretanto, é também objeto do desejo e da esperança dos que oram e suplicam: “Venha o teu Reino” (6,10).
A concepção de Igreja em Mateus é realista. Despida de triunfalismo. Aponta para a mistura de pessoas, assemelhada à rede do Reino, cheia de peixes, porém, não todos aproveitáveis. Houve um traidor no colégio apostólico (26,25). Entre os recomendáveis, houve a indignação de dez contra dois (20,24) e a negação escandalosa de Pedro (26,75). Portanto, Mateus não nos faz ver uma Igreja idealizada. Nela existem as contradições pessoais: filhos do Reino e filhos do Maligno (13, 38-39), os maus e os justos (v. 49) e falsos profetas e discípulos (7,15-13).
Qualquer um pode cair no pecado, inclusive Pedro (26,34). Assim sendo, todos precisamos de perdão, de misericórdia e de correção. Consequentemente, a Igreja é a escola da correção fraterna (18, 15-18) e a pátria da misericórdia, do perdão (v. 21-35) e da acolhida (9,9-13): “Não vim chamar justos” (9,13). Portanto, ela é de todos, mas especialmente aberta aos pecadores, aos pobres e simples (5,3; 6,19-21.24; 19,16-25). Inclusive, o Filho do Homem será reconhecido nos necessitados, afligidos, ultrajados e marginalizados, no último julgamento (25,40).
A eclesiologia em Mateus é ministerial e fraternal (10,40-42). Porém é hierárquica (13,52; 23,34). Nela há profetas, escribas e sábios (13,52; 23,34). A autoridade dos Doze é de serviço, inclusive a primazia de Pedro, pois – o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (20,28). Todos são chamados à humildade, devido ao fato que quem se torna menor é o maior (18,4), na promoção de Jesus. A comunidade orante dos fiéis tem importância invulgar, devido à presença do Senhor, quando eles se reúnem em seu nome (18,19-20).
Mateus contribui parcialmente para a compreensão dos principais sacramentos. O Batismo é de finalidade universal, sua fórmula é a confissão trinitária de Deus e está ligado ao inteiro ensinamento de Jesus (28,19-20). A Eucaristia é o Corpo do Senhor e o Sangue da Aliança, derramado por muitos para a remissão dos pecados (26,26-28). O perdão dos pecados decorre do poder de ligar e desligar dado aos Doze (18, 18) e do poder das chaves dado a Pedro (16,19).
Mateus enraíza a Igreja na origem da tradição, fonte de rejuvenescimento. Estimula cada discípulo do Reino dos Céus a tirar coisas novas e velhas do próprio tesouro (13,52). Bom meio de renovação.
Dom Edson de Castro Homem
Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio
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