Cardeal João Orani Tempesta
Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro
Quando iniciamos a Quaresma, na Quarta-feira de Cinzas, recebendo-as sobre as nossas cabeças como sinal de reconhecimento do nosso pecado e a necessidade de conversão, a Palavra de Deus nos lembra do jejum, da esmola e da oração (Mt 6, 1-6.16-18). “Quando jejuares perfuma a cabeça e lava o rosto... e o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa. Encontramos também Jesus lembrando que “quando o esposo for tirado, então jejuarão”, na clara alusão tanto à Sexta-feira Santa como também à nossa separação d’Ele pelo pecado.
Sim, oração, jejum, esmola, lectio divina, confissão e tantas outras práticas quaresmais se juntam ao tema da Campanha da Fraternidade, neste ano sobre o Tráfico Humano, para nos ajudar a vivenciar a nossa vida cristã e renová-la neste tempo favorável.
O apelo de Cristo visa à nossa mudança interior, à transformação de nossas vidas, à conversão do coração e à penitência interior, reorientando nossa vida para Deus e rompendo com o pecado. É a busca de acolher o coração novo! Para isso, as atitudes de reconciliação, cuidado dos necessitados, confissão de nossas faltas, revisão de vida e outras atitudes nos ajudam, assim como algumas atitudes que fazem o nosso corpo também participar dessa renovação espiritual.
Somos chamados a sempre buscar uma vida de conversão, e, para isso, ao acolher a graça de Deus ter também práticas de ascese que nos ajudem nessa caminhada. “O Cristão é, de modos e formas diferentes, asceta e místico, virtuoso e espiritual ao mesmo tempo, operante por capacidade própria e dirigido pelo influxo do Espírito do Ressuscitado. Com esse princípio, a vida cristã propõe também uma ascese que se funda na caridade, em virtude da qual o cristão renuncia a tudo o que o impede de tender à perfeição evangélica.”
A caminhada quaresmal conduz-nos a renovar a vida cristã que, no fundo, é uma busca de recolocar-nos no caminho da santidade, atitude que deve ser constante, mas que recebe um incremento especial neste tempo favorável. “O aspecto mais sublime da dignidade humana consiste em sua vocação para a comunhão com Deus. Desde o seu nascimento, o homem é convidado ao diálogo com Deus.” (GS, 19)
É nesse contexto que a Igreja propõe como um dos seus mandamentos “Jejuar e abster-se de carne, conforme manda a Santa Mãe Igreja” (CIC 2043), contribuindo para nos ajudar a preparar para as festas litúrgicas e a adquirir domínio sobre nossos instintos e a liberdade de coração.
A Igreja convida-nos, durante o tempo da Quaresma e depois também todas as sextas-feiras do ano (em memória da Sexta-feira Santa), a termos momentos fortes de prática penitencial.
O Diretório Litúrgico da Igreja no Brasil resume a questão do Jejum e Abstinência lembrando que estão obrigados à abstinência os maiores de quatorze anos de idade e, ao jejum, os que estão entre os dezoito e os sessenta anos. E ainda aí nos recorda: dias de penitência são todas as sextas-feiras do ano, que pode ser com abstinência de carne ou outro alimento, ou ainda alguma outra forma, como obra de caridade ou exercício de piedade.
Dias de Jejum e Abstinência são apenas a Quarta-feira de Cinzas e a Sexta-feira Santa. E também aqui “a abstinência pode ser substituída pelos próprios fiéis por outra prática de penitência, caridade ou piedade, particularmente pela participação nesses dias na Sagrada Liturgia.”
Parece muito pouco o que a Igreja nos pede para tão grandes resultados, mas a intenção é que, dentro de uma orientação bastante aberta, possamos andar no caminho sincero de conversão, como, aliás, é o espírito dessa norma, pois lembra, à luz dos documentos, que mesmo os que não estão sujeitos a essas práticas sejam formados no sentido genuíno da vida em conversão.
Somos convidados a levar a sério este tempo que se abriu para nós refazendo o caminho do Êxodo e, estando unidos a Cristo, viver esses abençoados 40 dias de renovação interior, de vida de conversão para chegarmos purificados e renovados à Páscoa da Ressurreição, quando, no Sábado Santo, iremos solenemente renovar os nossos compromissos batismais.
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