Dom Edson de Castro Homem
Bispo Auxiliar da Arquidiocese do Rio de Janeiro
Sempre se lê o evangelho da Transfiguração do Senhor no segundo domingo da Quaresma. Neste ano, o relato é de São Mateus. São aplicados a Jesus, na alta montanha, os simbolismos do monte e da nuvem, intimamente ligados ao itinerário quaresmal de Moisés, permanecido no Sinai durante 40 dias e 40 noites (Ex 24, 18).
No caminho pascal do êxodo, o monte não é simples acidente geográfico do deserto. É símbolo ascensional do convite feito pelo próprio Deus a Moisés para que o subisse. O lugar se tornaria símbolo de teofania, pois ali Deus se revelaria e entregaria sua lei. Então, Moisés foi encoberto pela nuvem (vv. 12-16), outro símbolo da presença divina misteriosa. A glória do Senhor se assemelhara ao fogo devorador, símbolo de transcendência, e em cima da montanha (v. 17).
A Quaresma é convite insistente para entrarmos no mistério de Cristo, a fim de aprofundá-lo e vivê-lo. Somos convidados à subida de Jesus com Pedro, Tiago e João à alta montanha (Mt 17, 1). Sua altitude tem menos de geográfica e muito de simbólica. Porém, visa à realidade da experiência espiritual. Diz da elevação, tanto ascética quanto mística do empenho, seja no esforço de se dispor a subir com os demais, seja no de permanecer extasiado a contemplar, conforme o desejo de Pedro: “Senhor, é bom ficarmos aqui” (v. 4). Há um transbordamento de alegria e de rara satisfação.
A experiência do monte da glória logo terminaria. Súbita, porém intensa. Teriam eles que retomar a descida, ao dia a dia do discipulado: “Levantai-vos” (v. 7). Assim, da contemplação na quietude partem à ação. A descida integraria a contemplação da face desfigurada do Crucificado até o abandono (27,46) enquanto não irradiasse para sempre o rosto resplandecente do Ressuscitado.
A transfiguração de Jesus irradiante, apenas por instantes, expressa sua divindade que a humanidade escondia. A simples presença de Moisés, sinal da lei, e de Elias, sinal das profecias, ambos intimamente ligados ao Sinai, confirma ser Jesus o cumprimento da promessa. Conversavam com Ele familiarmente (v. 3). A voz vinda da nuvem, cuja sombra os cobria, reforça, enquanto nuvem e enquanto voz, a revelação do mistério: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o!”(v. 5). A voz é palavra de comando. Soa solene. Ecoa enfática.
De tudo que foi dito, Jesus é apresentado como sendo o novo Moisés e o novo Elias. Quer dizer: é o Mestre, que ensina, legisla e profetiza. A subida à alta montanha (v. 1) se torna para nós, discípulos, convite ao novo Sinai? Seja como for, Mateus conclui seu evangelho na “montanha que Jesus lhes determinara” (28,16), sem referência de nome e sem precisar o lugar. Com toda a autoridade que lhe foi entregue, manda que seu ensinamento se divulgue (vv. 18-19). Em seguida, os 11 hão de dizer com autoridade em todos os povos: ouvi-o! Tornem-se discípulos de Jesus!
Retomamos no itinerário quaresmal o empenho do simbolismo ascensional. Subimos para a Páscoa com Jesus. Tal elevação espiritual exige o esforço e a aspiração pessoais de ultrapassarmos os limites impostos pelo cotidiano e pela rotina, unidos à Igreja e colaborando com a graça de Deus.
Parafraseando Santa Teresa de Ávila para a qual todo fiel vive sua própria “subida ao monte Carmelo”, empenhamo-nos na ascensão pessoal e eclesial do Tabor da glória ao Calvário da humilhação, ambos passageiros, à luz eterna da visão de Deus. Da beleza dos simbolismos do monte e da nuvem até a autêntica “medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4, 13). Da compreensão da largura e do comprimento e da altura e da profundidade do seu mistério até as dimensões de seu amor, que excede todo conhecimento (cf. Ef 3, 18-19). Eis o núcleo estimulante da proposta quaresmal, só possível se o Espírito Santo, com seu sopro vital, nos conduzir e nos sustentar seja na subida à altura seja na descida à profundidade. Para tanto, toda docilidade ao mesmo Espírito.
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