quarta-feira, 9 de abril de 2014

José de Anchieta: vida e milagre

Otemp_titleanchieta_portal_04042014110836 canário de ascendência judaico cristã nova José de Anchieta nem imaginava que tantos séculos depois de sua passagem pela terra brasilis seria objeto de tamanha atenção por parte da mídia e subiria aos altares como santo.  Era bem jovem quando, em Portugal, sentiu o chamado de Deus e entrou na Companhia de Jesus como irmão.
De saúde frágil, sofrendo de espinhela caída, chegou ao Brasil com 20 anos de idade e recebeu do Padre Manuel da Nóbrega, que aqui já se encontrava, a incumbência de dar prosseguimento à construção do colégio de São Paulo, no planalto de Piratininga, na qual estava empenhado.  Foi a partir deste que Anchieta abriu os caminhos para o sertão e com os índios aprendeu a língua tupi.
Das mãos apostólicas de Anchieta floresceu a cidade que hoje é a mais importante do Brasil. O colégio foi o embrião desta. E Anchieta participou ativamente de sua fundação, em 25 de janeiro de 1554.  Deste fato dá testemunho uma carta do missionário, onde diz: “A 25 de janeiro do Ano do Senhor de 1554 celebramos, em paupérrima e estreitíssima casinha, a primeira missa, no dia da conversão do Apóstolo São Paulo e por isso a ele dedicamos nossa casa!”
A ação apostólica de Anchieta não consistiu apenas, no entanto, em construir este colégio.  É de enorme importância sua atuação junto aos índios, aos quais cuidava não apenas de catequizar como também de defender dos abusos dos colonizadores portugueses, que muitas vezes os brutalizavam, escravizando-os e tomando-lhes as mulheres e filhos.
Hábil interlocutor dos indígenas e mediador de situações espinhosas, Anchieta desempenhou importante papel no preparo do armistício entre os tupinambás de Ubatuba e os tupis, em Iperoig.  Intermediou igualmente as negociações entre portugueses e indígenas reunidos na Confederação dos Tamoios, oferecendo-se inclusive como refém dos tamoios, enquanto o Pe. Manuel da Nóbrega retornava a São Vicente para ultimar as negociações de paz.
Além de apóstolo, estrategista e mediador de conflitos, Anchieta também se destacou no campo das letras. Com frequentes viagens ao sertão e a aprendizagem da língua tupi, compôs a primeira gramática desta língua que, na América Portuguesa, foi chamada de “língua geral” e se tornou o principal instrumento de comunicação entre europeus e nativos.
Além disso, era literato e poeta. Compôs peças de teatro na “língua geral”, encantando os índios com a atividade teatral que lhes servia igualmente de aprendizado.  Escrevia com perfeição em português, latim e tupi.  Foi em latim que compôs suas duas grandes obras: um poema sobre a Virgem Maria com mais de 4 mil versos e uma obra sobre os feitos do governador Mem de Sá. Conta a tradição que o poema sobre a Virgem foi escrito primeiramente nas areias da praia de Iperoig, quando era refém dos índios tamoios, e apenas posteriormente passado para o papel.
Anchieta era devoto de Maria, mãe de Jesus, desde muito jovem.  Em meio às durezas e dificuldades da vida missionária do Brasil colônia, certamente essa devoção deve tê-lo ajudado a enfrentar vicissitudes e superar obstáculos.  Sintomaticamente o poema à Virgem se dirige à “Stabat Mater”, a Dolorosa, à qual tantas vezes deve ter rezado em sua terra natal, a Mãe das Dores, sofrendo cruelmente pela paixão do Filho.  A ela se dirige o apóstolo do    Brasil neste poema que se tornou um clássico da literatura nacional e celebrizou seu autor como homem de letras.
Morto em Reritiba, aos 63 anos, Anchieta é uma das chaves de explicação do processo fundacional de nosso país.  Sua vida rica e fecunda, sua intensa atividade missionária, educacional, literária, são a pedra fundamental sobre a qual se apoia boa parte do que será a matriz da cultura brasileira.
Por isso, aos que se admiram de o Papa Francisco tê-lo canonizado sem que se tivesse notícia de um segundo milagre realizado por sua intercessão, a resposta é simples.  O milagre é a própria vida deste homem, assim como a de todos os santos. Milagre é ser mortal, finito e contingente e, no entanto, deixar-se totalmente impregnar pela graça de Deus.  Milagre é deixar para trás todas as  possibilidades de futuro e dedicar a vida à missão de fazer crescer o Reino de Deus em terra que não era a sua.  Milagre é amar como filhos a homens e mulheres que nem conhecia e dedicar-se a educá-los, com eles conviver na amizade e na proximidade. 
E celebrando e agradecendo esse milagre, pedimos: São José de Anchieta, rogai por nós.
Autora
Maria Clara Lucchetti Bingemer
Professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio

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